Por altura do equinócio de Outono, nasceu um dia uma mulher modelada pelas mãos dos deuses do Olimpo. Na carne, colocaram-lhe um pedaço do céu (para que todos vissem mas só os escolhidos pudessem alcançar); o espírito, dotaram-no de força e de mudança (para que vivesse em pleno vento e fosse indomável).Sem obedecer aos padrões de beleza angelical e etérea, não se instalou nela a quietude. O corpo não é frágil nem delicado (ao contrário da alma), mas robusto e arredondado. No entanto, isso não lhe diminui a agilidade, a rapidez ou a leveza, quando se deixa arrastar pelo som de uma música, seja tango, bossa-nova, jazz, étnica ou balada; todo o ela se move, todo o ela desliza, todo o ela se mexe como que sob o poder de um incontrolável feitiço. As mãos não são pequenas e delgadas; são, antes, grandes, de dedos compridos, de feitios vários e de pele já espessa, experimentada. Estranhamente, o modo como tocam é de uma estranha suavidade, como se já tivessem nascido ensinadas e os seus movimentos fossem predeterminados. Os olhos vivos, ovalados, de um castanho líquido indefinido, penetram na nossa alma sem pedir licença e sem que consigamos resistir à sua sinceridade e candura. Os cabelos parecem os de uma criança irrequieta, nómada e semi-selvagem: compridos, castanhos-escuros (os reflexos nos diferentes tons das folhas das árvores quando caem), de caracóis permanentemente desalinhados, como se tivesse sido sacudida por um vendaval. Na boca, os lábios tornam-se rosas de um rubro intenso, acabadas de abrir aos primeiros raios de sol matutinos.
O perfume que dela esvoaça é uma mistura cheiros, um inexplicável turbilhão de aromas: especiarias orientais (canela, caril, gengibre, cardomomo), frutos silvestres (amoras, mirtilos, framboesas) e plantas aromáticas (rosas, giestas, alecrim, feno…). O tom da voz, altera-o ao sabor da vontade, entre a serenidade e a impetuosidade dos sentimentos. O timbre, ora grave, ora agudo, ora rouco, ora dramático, ora alegre e cristalino, oscila segundo o ânimo de quem o possui. O sorriso, bem, esse ilumina-lhe o rosto mal o deixa escapar. É como se as luzes de um palco para ela se virassem, sem ofuscar nem levar a que permaneça na penumbra.
Mulher enguia, escorrega por entre os dedos, é fugidia. Mistura-se na multidão, escondendo-se, e ninguém se apercebe da sua presença. Apenas o olhar treinado sabe onde a encontrar: sentada, abandonando-se a si própria, de olhos postos no mar, fixos, tentando decifrar o sussurro e o murmúrio das ondas. Espera, assim, escutar os conselhos e as respostas dos mesmos deuses que a dotaram de vida.
Esta mulher não se cinge à simplicidade de um objecto qualquer; nunca poderá ser controlada ou presa numa jaula para ser domesticada. É uma fracção da natureza, condensando toda imprevisibilidade que lhe é característica, todo o poder da transformação e inconstância, na procura de um equilíbrio e de uma adaptação quasi-perfeita com o que a rodeia.
Mulher complexidade, antagónica e inexplicável. Mulher encantamento, de misticismo e oculto. Mulher tenaz, gentil, independente, inconvencional, mutável, dedicada, psíquica, intensa e viciante. Mulher que reúne em si particularidades de todas as representações numerológicas – Monad (1), Duad (2), Tern (3), Quaternion (4), Quincunx (5), Hexad (6), Septenary (7), Octad (8) e Nones (9) – e que se expressa um pouco em todos os arquétipos de deusa.É esta a centelha da vida: a acidez de maldição na mais doce tentação, em que apenas o amor (no seu impulso de paixão e ausência de explicação) poderá revitalizar e dotar da graça que lhe é devida.
terça-feira, 29 de maio de 2007
Remexido, revirado e reeditado
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1 comentário:
Puccanina:
Pq não tens escrito? Gosto de te ler :)
Gosto como brincas com as palavras e das tuas histórias!
Fico à espera que voltes ao activo...
Beijuuuuuu
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